sábado, 23 de julho de 2011

Cheirar é tudo de bom...


Estou aqui deitado ao sol, de barrigão para cima, aproveitando o calorzinho do inverno, sentindo todos os cheirinhos ao meu meio redor.
Sentindo um cheiro aqui, outro ali, outro bem distante, me dou conta de como o olfato é essencial na nossa vida canina, assim como a visão e audição é importante para os humanos.
Adoro cheirar tudo. Assim eu sei quem é quem, não importa a raça e espécie animal. É por meio dele, principalmente pelo xixi e fezes que sabemos até a idade, sexo e como está a saúde de outro cão. É incrível o que um cheiro pode nos mostrar. É como uma visão adicional, muito mais eficaz e fica tudo na nossa memória.
Aqui em casa, eu sei aonde cada um dos meus irmãos caninos fazem as suas necessidades e nenhum de nós ultrapassa o limite do outro. 
Nossa, a Filó, a tartaruga que vive aqui em casa, acabou de passar por mim. Ela tem um cheirinho tão forte...
Os humanos não entendem direito esta nossa relação com os cheiros. Eles não entendem que ao farejarmos, estamos realizando uma varredura no local, em outros cães e até em relação a eles.
Cheirar é fascinante. Adoramos aqui em casa quando tem frango assado. Nenhum de nós se afasta do fogão, é aquele empurra, empurra para ver quem fica mais perto e, quem sabe, sobrar um bom pedaço.... O lixo então, é o nosso alvo preferido.
E o cheiro da Vick, minha querida cãopanheira... Todos sabem do meu amor por ela. Quando passa por mim, exala flores. Hummm é tão inebriante...
Hoje, especialmente, estamos sentindo o cheiro do Shadow, nosso paizão labrador que partiu para sempre ontem de manhã. Tudo ainda o lembra. Fico tão triste, mas sei que passará e ficará somente na minha lembrança.
Preciso mencionar o cheiro dos humanos... Sabemos quando eles são bons ou ruins. É impressionante. Não erramos na nossa percepção. Algumas pessoas falam que é extra-sensorial, sexto sentido... que nada, é o nosso focinho.
Por isso que às vezes latimos para uma pessoa que nem conhecemos direito. Sentimos medo, raiva e até mesmo desprezo. Os nossos donos não entendem direito e nos dão até bronca...
Eu, particularmente, adoro o cheiro dos locais em que trabalho, das senhoras, das crianças, das enfermeiras, das cuidadoras, dos voluntários e até mesmo de outros cães terapeutas. E por falar neles, eu não gosto quando ficam me cheirando demais. Incomodo-me com os narizes no meio das minhas pernas. Aí não, caramba! Tem limite essa cheiração... Então eu grito, (ops!), lato para dar um basta.
Na verdade, sinto-me mais vivo quando entro nestes locais.  Sei pelo cheiro exatamente aonde quero ir e com quem ficar. Muitas vezes, exagero, chego até a beijar as pessoas. O que fazer, se eu as amo?
Quanto aos perfumes, ai, ai, ai... os humanos não entendem que nos sentimos muito incomodados. Minha mãe tem mania de passar a lavanda em mim antes do trabalho. Embora (segundo ela) eu fique com cheirinho gostosinho de bebê, eu não agüento. Saiu correndo e sem que ela me veja, me esfrego todo na cama tentando amenizar o tal “odor de bebê”.
Mais que todos os cheiros juntos do mundo, eu adoro o cheiro da Silvana, minha mãe humana. Consigo perceber a que distância ela está de mim, mesmo se for quilômetros.
Com este calorzinho gostoso aqui no sol, fecho os olhos. Não preciso deles para saber onde ela está neste momento. Ah, que cheiro bom! É o cheiro do amor.


quinta-feira, 26 de maio de 2011

O Paraíso é aqui

Minha avó humana, mãe da Silvana sempre foi uma mulher muito dinâmica.
Veio da Europa, ainda menina com a família, fugindo da Guerra.
Logo que chegaram, foram morar no interior de São Paulo. 
Por conta da guerra, sua vida foi muito dura e seus pais foram muito austeros com os gastos e educação dos filhos.
Por ser a mais velha, começou a trabalhar desde os sete anos. Cuidava da casa enquanto sua mãe cuidava dos filhos (foram ao todo 13!).
Como moravam na fazenda, trabalhavam muito, pois seu pai, com tantos filhos, sempre dizia que não precisava de nenhuma ajuda externa.
Quando moça, veio para São Paulo morar com sua tia. Aqui aprimorou sua educação, mas não deixou de trabalhar e enviar seu dinheiro para os pais.
Casou-se e teve três filhas, sendo uma especial.
Sempre foi o centro da casa e da família. Tudo girava ao seu redor e raramente falava um não.
Acompanhou as filhas, quando jovens, nas atividades. Passou noites em claro cuidando delas, seja em casa ou na rua. No dia seguinte levantava logo cedinho, super bem humorada como se tivesse tido 8 horas de sono ininterruptas.
Aos 87 anos, cansada, “jogou a toalha”, com Alzheimer.
Por questões familiares, ninguém tinha tempo para as atividades dela naquele momento...
Revolveram colocá-la em um dos melhores locais para idosos. Tinha de tudo, assistência médica, enfermagem e cuidadoras 24 horas, lavanderia, restaurante, nutricionistas, fisioterapeutas, atividades, cinema, carrinhos de golfe para locomoção e etc.
O local era privilegiado: 30.000 m2, lago com patos, cisnes, vegetação abundante. Eu mesmo fui lá algumas vezes. Nossa! Era o verdadeiro Paraíso terrestre.
Apesar de todo o conforto, assistência, não tinha o que mais queria, o aconchego de um lar.
Neste meio tempo, minha mãe Silvana, apesar de vê-la quase todos os dias, sentia o mesmo. Eu a via muito triste depois de cada retorno do residencial onde minha avó morava.
Ela me confidenciou várias vezes que sua mãe tinha sido muito presente na sua vida, sempre com tempo para tudo e, caso não tivesse, dava um jeito. Falava que, para as filhas, valia a pena qualquer sacrifício. E agora, quando mais precisava, ninguém tinha esse tempo para ela...
Minha mãe pensou muito, conversou em casa e resolveu tirá-la de lá, apesar de questionada por esta atitude.
Era a vez dela de retribuir o seu tempo.
Hoje minha avó está muito mais feliz, sadia, radiante. As seqüelas do Alzheimer continuarão.
Mas agora terá o nosso aparato, nós os caninos aqui de casa, além dos humanos.
Hummm...Como é bom ter uma avó, ficar ao seu lado, sentir seu cheirinho, receber os seus carinhos no aconchego do nosso lar.
Percebi que o Paraíso é aqui!

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Por que coisas ruins acontecem às pessoas boas

Uma amiga humana judia contou-me uma antiga história que me ajudou a entender melhor a questão do por que coisas ruins acontecem às pessoas boas:

Em uma aldeia morava uma família composta por um homem, uma mulher e um filho. Eles sobreviviam da lavoura.
Um dia, o seu único cavalo que o ajudava fugiu. O homem ficou desesperado, procurou, procurou pelo cavalo e não o encontrou.
A aldeia inteira foi a sua casa para consolá-lo. Quando questionado, disse que não sabia se o ocorrido foi bom ou ruim para eles.
Depois de uns dias o seu cavalo voltou, mas acompanhado de mais três cavalos.
Novamente a aldeia inteira foi a sua casa parabenizá-lo por este ganho, quase milagroso.
Ele ponderou e disse: eu não sei se foi bom ou ruim.
O seu único filho resolveu montar em um dos novos cavalos. O cavalo empinou, o seu filho caiu e quebrou a perna.
Outra vez, a aldeia inteira veio reconfortá-lo pelo infortúnio. E novamente o homem disse que não sabia se foi bom ou ruim o que tinha acontecido.
Depois de uns dias, soldados vieram até a aldeia recrutar homens jovens e sadios para a guerra. Como o seu único filho estava com a perna quebrada, não pode ir.
A aldeia quando soube foi ao seu encontro.
Aí foi o momento dele dizer que tinha sido muito bom o seu cavalo ter fugido.

Moral da história: quando ficamos focados somente em fato isolado pode ser que tenhamos atitudes passionais e deixemos de ver com clareza a situação como um todo.
Mas se ampliarmos a “nossa ótica”, olharemos a situação na sua totalidade, veremos que aquela situação ruim se transformará em algo bom e positivo mais adiante.

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Minha Amiga Vavá

Estou novamente muito triste.
Hoje mais uma amiga canina se foi.
A Valentina (ou Vavá como era chamada pelos amigos) tinha uma alegria interior extraordinária.
Apesar de idosa, (12 anos de idades e para uma Labradora é muito), gostava de participar de tudo. Era super amigueira.
Nós nos encontrávamos na porta do asilo Ondina Lobo e também nos passeios no Parque Severo Gomes. Lá, ela ia ao seu ritmo e nós a respeitávamos pra caramba.
Acontece que quando os amigos começam a partir a coisa pega bem mais pesado.
Fico pensando: “Quando será a minha vez?”...
É um pensamento natural, pois já tenho 10 anos de vida e apesar de ser um cão menor e com uma sobrevida maior, não dá para pensar diferente.
Refletindo o que diz a musica Encontros e Desencontros (1985) de Milton Nascimento e Fernando Brant que Estela, sua mãe humana tanto gosta, realmente o chegar e partir são só dois lados da mesma viagem e o trem que chega é o mesmo trem da partida e a hora do encontro é também  despedida”.
Somente a sabedoria da idade nos dá esta contemplação de uma maneira menos avassaladora.
Minha querida Vavá, tenho a minha própria teoria sobre o lugar dos caninos e demais bichinhos no céu.
Acredito que Deus não tenha feito um lugarzinho exclusivo para nós. Seria muita prepotência nossa, vamos deixar isto para os humanos.
Penso que estamos todos juntos, humanos, caninos e outros animais, compartilhando de um bem maior. Deus é soberano.
E como somos Cães Terapeutas, com certeza iremos continuar o nosso maravilhoso trabalho com as almas ainda não regeneradas.
O meu alento é acreditar que um dia irei encontrar com você, com a Alina, Dindi e com tantos outros que já se foram e crer que continuaremos a realizar o que melhor sabemos fazer: passar muito afeto, carinho e amor às pessoas, independente do seu estado etéreo.
Isto nós tiramos de letra minha amiga.
Espero encontrá-la na “plataforma desta estação, pois todos os dias é um vai e vem e a vida se repete na estação”.

Encontros e Desencontros:

Mande notícias do mundo de lá
Diz quem fica
Me dê um abraço
Venha me apertar
Tô chegando

Coisa que gosto é poder partir
Sem ter planos
Melhor ainda é poder voltar
Quando quero

Todos os dias é um vai e vem
A vida se repete na estação
Tem gente que chega pra ficar
Tem gente que vai pra nunca mais
Tem gente que vem e quer voltar
Tem gente que vai e quer ficar
Tem gente que veio só olhar
Tem gente a sorrir e a chorar

E assim, chegar e partir
São só dois lados
Da mesma viagem
O trem que chega
É o mesmo trem da partida
A hora do encontro
É também  despedida
A plataforma dessa estação
É a vida desse meu lugar
É a vida desse meu lugar
É a vida ....
Lara lala lele e auê
Lara lala lele e auê

Todos os dias é um vai e vem
A vida se repete na estação
Tem gente que chega pra ficar
Tem gente que vai pra nunca mais
Tem gente que vem e quer voltar
Tem gente que vai e quer ficar
Tem gente que veio só olhar
Tem gente a sorrir e a chorar

E assim, chegar e partir
São só dois lados
Da mesma viagem
O trem que chega
É o mesmo trem da partida
A hora do encontro
É também  despedida
A plataforma dessa estação
É a vida desse meu lugar
É a vida desse meu lugar
É a vida ....
É a vida desse meu lugar
É a vida ....

quinta-feira, 31 de março de 2011

Alina, minha sempre amiga


Estou muito triste. Minha querida amiga e companheira de trabalho se foi.
Trabalhávamos juntos há 6 anos.
Sempre ouço dos humanos com quem trabalho que nós, os cães terapeutas, não somos perfeitos e sim cães afetivos.
Acredito agora que estejam errados. Alina era perfeita.
Além de ser uma Bernese linda, grande, maravilhosa e todos os demais adjetivos superlativos que possam expressar suas qualidades externas, não chegam nem de perto da sua grandeza interior.
Eu nunca a ouvi ou vi esboçar qualquer movimento negativo em relação aos humanos e aos demais animais.
Aonde chegava era o centro das atenções.
Fotos, caricias, afagos, elogios, nossa... as pessoas não a deixavam em paz. E ela, passivamente respondia a tudo e a todos com enorme prazer e alegria.
Uma das suas grandes características era sentar nos pés das pessoas a espera de um carinho. Até parece que precisa disto... Quanta modéstia. Ela não tinha noção da sua magnitude.
Soubemos da notícia da sua morte no inicio da sessão de fisioterapia com as idosas do Lar Padre Vicente Mellilo no qual também participava.
Na hora, todos ficaram impactados. Eu pessoalmente senti uma dor tão intensa que até doeu fisicamente, como se tivesse levado um soco no coração.
Mas tivemos que realizar a sessão e o pior, sem que as idosas percebessem a nossa tristeza. Nada foi falado para elas.
Nesta semana, foi a segunda sessão sem ela. Que vazio. Que dor...
Teve um momento em que fui tomado de uma grande tristeza. Comecei a fazer, sem que ninguém pedisse, um truque que aprendi que chama “vergonha”, onde passo a minha pata no meu nariz perto do olho, para esconder minhas lágrimas.
De repente, senti, apesar da sala estar super abafada por causa do calor, uma brisa muito suave passar por mim.
Parei o que estava fazendo. Fechei meus olhos. Percebi que ela ainda estava conosco e que nunca deixará de estar, porque agora ela mora no nosso coração.

domingo, 20 de março de 2011

Espelho, espelho meu...

Fazendo minha ronda habitual, quando me dei conta, estava na frente de um espelho.
Sabe aqueles dias em que acordamos nos achando a última das criaturas?
Pois é! Atire o primeiro osso quem nunca se sentiu assim...
Olhei-me bem de perto. Percebi que já não sou tão novinho assim. Também, pudera... já estou com 10 anos.
Até pêlos brancos acabei achando.
Virei de lado. Me dei conta de uma barriquinha típica de machos da minha idade.
Eu sei que não sou um cara bonitão, mas tenho os meus atrativos.
A verdade é que às vezes deparo-me com situações, que apesar de frequentes, ainda mexem com a minha auto-estima.
Todas as quinta-feiras eu, Namour e Silvana trabalhamos no Hospital Dante Pazzanese de Cardiologia. Na entrada do Instituto fazemos a nossa socialização.
As pessoas quando nos vêem fazem carinho, passam a mão e principalmente tiram fotos.
Aí não dá outra. Sou colocado de lado, sem nenhuma inibição e tato pelas pessoas. Como por exemplo: “quero somente o Namour, tira o branquinho” (EU).
Muitas vezes me faço de bobo, fico do lado dele com cara de paisagem, mas não dá outra, me tiram de cena.
Resignado, resta-me apenas ficar olhando tudo por debaixo das pernas da minha mãe.
Realmente o Namour é um Golden Retriever lindo, grande, exuberante. Será que somente estas (todas) características são importantes para “sair bem nas fotos da vida”?
Já perdi a conta de quantas vezes isto aconteceu.
Percebo o quanto as pessoas e muitas vezes nós, os caninos, discriminamos os que não são tão favorecidos pela natureza.
CHEGA. Chega de auto piedade.
Olho-me novamente no espelho falando comigo mesmo: tenho uma enorme bagagem de vida. Hoje sou um cão terapeuta, possuo título acadêmico, adoro as pessoas e outros animais, sou um ex-cão de rua que soube abraçar esta nova oportunidade que a vida me deu. Não sou comparável aos cães adolescentes.
Dou mais uma olhada. Nossa... já tô me sentindo lindo.
Falando sério, eu sei que beleza abre muitas fotos Ops... portas.
Mas acredito também que a vida nos proporciona muitas outras oportunidades, independente de sermos gordo ou magro, grande ou pequeno, peludo ou careca, bonito ou feio, de qualquer cor ou raça.
O que importa mesmo são as nossas ações, atitudes, comprometimento com o outro e principalmente com nós mesmos.
É o que queremos e fazemos na busca do nosso lugar na matilha.
Uma última olhadinha... Cá entre nós, quem inventou a frase: “quem é feio, bonito lhe parece”, só pode ter sido um feio (hehehe).


segunda-feira, 14 de março de 2011

Minha Médica


Hoje é o aniversário da minha médica veterinária Dra. Patrícia.
Eu a conheço há 10 anos. 
No inicio não era a minha médica. Nosso primeiro contato foi na minha operação de castração como anestesista.
Fiquei chapadão... Não sei o que ela colocou naquela mistura inebriante, mas desde então tenho algo muito especial por ela.
Além de mim, cuida de toda a matilha daqui de casa.
Quebra cada galho pra minha mãe...
A família é grande, somos seis. Quando um pega alguma doença, todos pegam e aí é um Deus nos acuda.
Ela vem aqui em casa, cuida de todos. Nestas horas lembra os médicos de família de antigamente que nos inspiravam tanta confiança.
(Cá entre nós, ela nunca contou pra ninguém o meu medo de injeção. Começo a gritar só de ver a seringa...)
Mas quero mesmo falar do seu caráter. É ética, justa e tem sempre um olhar para o próximo, além de ser super família.
Ela já conhecia o meu trabalho como Cão Terapeuta há alguns anos por meio da Silvana. Fazia os laudos das minhas vacinas e parasitológicos.
Quando minha mãe foi eleita presidente do INATAA, não teve dúvida, convidou a Dra. Patrícia para ser a Médica Veterinária da ONG e o aceite foi imediato.
Quase morri de emoção, meu rabinho não parou de balançar por horas...
A partir deste dia, ela tem nos ajudado pra caramba avaliando a saúde de todos os cães que entram e estão no Instituto.
Ela é super severa, ninguém entra pra trabalhar se não estiver tudo em cima. E eu concordo, pois precisamos pensar na saúde dos nossos assistidos, assim como na nossa.
A verdade é que eu sempre quis ser seu amigo, mas nunca tive a coragem para tal.
Sou muito tímido. Nunca me passou pela cabeça transpassar o limite da nossa relação medico - paciente.
Mas no dia em que fui mordido, quando cheguei ao seu consultório cheio de sangue e chorando muito, por uns instantes, ela deixou de ser a médica e chorou junto comigo.
Quer maior prova de amizade?
Apesar de toda dor que eu estava sentindo, valeu à pena.


quarta-feira, 9 de março de 2011

Como será o amanhã...


O mundo está envelhecendo.
Teve uma palestra sobre este assunto aqui em casa. Fui, disfarçando, disfarçando...consegui ficar como “penetra” entre as pessoas e escutei tudo sobre este tema, hehehe.
Foi falado sobre Alzheimer. Uma doença severa, degenerativa que compromete progressivamente o nosso cérebro diminuindo a memória, dificultando o pensamento, raciocínio, além de muitas alterações de comportamento.
Ela ainda não tem cura. Existe uma estimativa que no nosso país haja 1 milhão e 200 mil pessoas diretamente afetadas.
Ela compromete demais o núcleo familiar. E este é o ponto onde quero chegar.
Nos meus oito anos de asilos já vi inúmeras vezes essa doença se manifestar.
Temos também aqui em casa a mãe da Silvana com esta doença.
Como acompanho de perto, posso falar que é muito triste, no dia a dia, a Silvana ver sua mãe se tornar outra pessoa.
Atrevo-me, como um cão terapeuta, a questionar aonde fica a representação desta mãe. Aquela que foi o primeiro amor e na qual nos espelhamos.
É como encontrar a cada dia uma pessoa diferente e se dar conta que ela continua sendo a sua mãe.
Uma hora uma pessoa que não te reconhece, em outra muito brava, em outra perseguida por algo, em outra totalmente alienada, em outra muito bem e por aí vai...
Acaba sendo uma busca constante no encontro daquela mãe de outrora.
O seu amor não diminui, mas torna-se um “luto” diário, que dói demais.
Eu mesmo já passei por isto quando em visita ao asilo, na expectativa de encontrar aquela senhora bem legal que tinha me abraçado na ultima visita, encontro uma pessoa que não me reconhece mais e nem sequer me toca. Ainda insisto e fico cheirando, abanando meu rabinho na esperança de um olhar... e nada. Saio muito triste, apenas com o resquício do seu cheiro.
Agora eu compreendo as pessoas que deixam de cuidar, ou visitar seus entes queridos. Não é porque não gostam, mas é simplesmente porque não aguentam estar junto.
É preciso ser muito forte.
Talvez Deus queira nos mostrar as muitas faces de um mesmo amor.
O amor incondicional.
E disso, eu entendo bem.

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Me morderam.....


Há três semanas fui mordido por outro cão. Aliás, cadela.
Eu estava no lugar certo, na hora certa, mas ela, não.
Era a socialização dos cães do INATAA.
Quando percebi já era tarde demais. Tava rolando no chão com ela.
Isto mesmo, era uma fêmea, mas das grandonas e nem fazia parte da matilha da nossa ONG!
Na hora, foi aquela confusão, até chegar a turma do “deixa disso”. As minhas queridas amigas e heroínas Kátia, nossa adestradora da ONG e a Fátima, da diretoria de TAA me ajudaram, mas, era tarde demais. Levei uma mordida na orelha, sangrou bastante e outra, maior ainda, no pescoço, que passou imperceptível até o final do nosso passeio.
Nossa, doeu, doeu, doeu..
Minha única preocupação no momento foi com a minha mãe. Logo olhei pra Silvana, percebi toda a sua angustia. Veio imediatamente, suas mãos tremiam demais, me limpou e me deu muitos beijos.
Coitado do Namour, também assustado não parava de me lamber, fazendo os “primeiros socorros”.
De repente, a doidona que começou a encrenca mordeu outra cadela...
Agora chega, está determinado que nenhum cão que não tiver passado pela avaliação de comportamento poderá frequentar as nossas socializações.
Mas, já estou pronto pra outra!  Opss... brincadeirinha...
Pra falar a verdade, to ainda traumatizado, mas passa logo, logo.
Fiquei de “molho” quase quinze dias.
Neste meio tempo parei para pensar um pouco sobre mordidas.
Conclui que elas podem ser tanto físicas como emocionais.
As físicas, apesar da brutalidade, são mais fáceis de lidar.
Já aquelas que recebemos de um amigo, relacionamentos ou até mesmo da nossa matilha, muitas vezes involuntariamente, no nosso dia a dia, são as mais difíceis.
Estas machucam muito mais, por que mordem o nosso coração.
Mas aprendi também que apesar do “tamanho” da mordida, ela sempre cicatriza de dentro para fora.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Eu e as Crianças Autistas

Este ano não trabalharei mais com as crianças autistas. O grupo será substituído pelas crianças com PC (Paralisia Cerebral).
Sentirei saudades...
Foi uma das experiências mais gratificantes que eu tive ao longo da minha vida como Cão Terapeuta.
Para mim, crianças autistas são crianças no avesso.
Eu acredito que vivem no seu próprio mundo. Interagem de maneira incomum.
Isto não quer dizer que não se relacionam.  Elas têm o seu modo de falar, agir e pensar. Acontece que existe um grande comprometimento com os relacionamentos, o que ocasiona uma grande cisão na reciprocidade social e emocional. Não conseguem perceber a linguagem corporal do outro.
Pelo que entendi, não sabem como expressar o que está lá dentro. Como se os “fios” estivessem conectados desordenadamente com certa lógica. Vivem dentro destas limitações.
Por isso, dão a sensação que estão sempre centrados neles próprios.
Como são crianças, tentam brincar com outras crianças, na verdade até querem, mas a impressão que tenho é que não sabem brincar e acabam se afastando da convivência com os outros.
Já com os adultos a relação parece ser menos limitada, por que estes tentam compreender melhor os comportamentos, muitas vezes desconectados ou ininteligíveis.
Eu sou apenas um cachorro que tive a sorte de me relacionar com estas crianças.
Não entendo nada de teorias e técnicas psiquiátricas ou mesmo psíquicas. Sei apenas por meio das conversas entre os profissionais humanos que hoje existem várias formas de Autismo, embora o diagnóstico seja muito complexo e inconclusivo.
Mas aprendi ao longo de seis meses com eles que são crianças especiais.
Conseguiram interagir muito com nós, os cães.
Passaram a nos ver por meio de carícias, abraços, brincadeiras, canções, escovas, petiscos, fotos, revistas, pêlos e babas.
Somente como exemplos, dentre muitos, eu não era chamado para as brincadeiras, apenas ficava na sala a espera de algum acontecimento. Muitas vezes até me questionava do por que de ir se ninguém brincava comigo. Mas ao longo das sessões, eu fui percebido.
Certo dia a mãe de uma das crianças falou que o filho, que nunca tinha olhado para um cão antes, agora quando saia na rua, ao se deparar com um, apontava e dizia: Paraná.
Foi um momento mágico. Na verdade ele me via, interagia comigo, mas da maneira dele. Passei a ter o significado de cachorro para ele.
Em outro relato, uma mãe disse que antes o filho nunca brincava com outras crianças, mas a partir do convívio dos cães, começou a brincar com até cinco crianças.
Outra criança que nunca tinha percebido o gato da casa passou a cariciá-lo e a penteá-lo como fazia com a gente.
O relacionamento destas crianças com os cães deu uma nova oportunidade, um novo sentido, uma nova releitura de “ligação” que elas carregarão ao longo das suas vidas. E para nós também.
Eles nos olhavam nos olhos.
Aprendi que os autistas são como são, diferentes.