quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Eu e as Crianças Autistas

Este ano não trabalharei mais com as crianças autistas. O grupo será substituído pelas crianças com PC (Paralisia Cerebral).
Sentirei saudades...
Foi uma das experiências mais gratificantes que eu tive ao longo da minha vida como Cão Terapeuta.
Para mim, crianças autistas são crianças no avesso.
Eu acredito que vivem no seu próprio mundo. Interagem de maneira incomum.
Isto não quer dizer que não se relacionam.  Elas têm o seu modo de falar, agir e pensar. Acontece que existe um grande comprometimento com os relacionamentos, o que ocasiona uma grande cisão na reciprocidade social e emocional. Não conseguem perceber a linguagem corporal do outro.
Pelo que entendi, não sabem como expressar o que está lá dentro. Como se os “fios” estivessem conectados desordenadamente com certa lógica. Vivem dentro destas limitações.
Por isso, dão a sensação que estão sempre centrados neles próprios.
Como são crianças, tentam brincar com outras crianças, na verdade até querem, mas a impressão que tenho é que não sabem brincar e acabam se afastando da convivência com os outros.
Já com os adultos a relação parece ser menos limitada, por que estes tentam compreender melhor os comportamentos, muitas vezes desconectados ou ininteligíveis.
Eu sou apenas um cachorro que tive a sorte de me relacionar com estas crianças.
Não entendo nada de teorias e técnicas psiquiátricas ou mesmo psíquicas. Sei apenas por meio das conversas entre os profissionais humanos que hoje existem várias formas de Autismo, embora o diagnóstico seja muito complexo e inconclusivo.
Mas aprendi ao longo de seis meses com eles que são crianças especiais.
Conseguiram interagir muito com nós, os cães.
Passaram a nos ver por meio de carícias, abraços, brincadeiras, canções, escovas, petiscos, fotos, revistas, pêlos e babas.
Somente como exemplos, dentre muitos, eu não era chamado para as brincadeiras, apenas ficava na sala a espera de algum acontecimento. Muitas vezes até me questionava do por que de ir se ninguém brincava comigo. Mas ao longo das sessões, eu fui percebido.
Certo dia a mãe de uma das crianças falou que o filho, que nunca tinha olhado para um cão antes, agora quando saia na rua, ao se deparar com um, apontava e dizia: Paraná.
Foi um momento mágico. Na verdade ele me via, interagia comigo, mas da maneira dele. Passei a ter o significado de cachorro para ele.
Em outro relato, uma mãe disse que antes o filho nunca brincava com outras crianças, mas a partir do convívio dos cães, começou a brincar com até cinco crianças.
Outra criança que nunca tinha percebido o gato da casa passou a cariciá-lo e a penteá-lo como fazia com a gente.
O relacionamento destas crianças com os cães deu uma nova oportunidade, um novo sentido, uma nova releitura de “ligação” que elas carregarão ao longo das suas vidas. E para nós também.
Eles nos olhavam nos olhos.
Aprendi que os autistas são como são, diferentes.

2 comentários:

  1. Paraná, amei suas colocações. Me fez relembrar alguns momentos que pude participar deste grupo muito querido e especial. Sinto muita falta... Continue sempre acreditando nessas nossas crianças. Uma pena ter que deixá-las também.
    Tenho certeza que sentiram e muito a sua falta.
    Lambidas.
    Angela D'Esposito

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  2. Primo Paraná,
    O trabalho enobrece, principalmente o seu! fico tão contente por voce, meu primo querido!
    Mande parabens para sua mamãe, pois ela é maravilhosa, gostamos muito dela.
    Rabadinhas Julieta
    Aguarde as rabadinhas do Segovia

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